A discussão sobre
a formação de professores é um tema importante no momento de se
estabelecer o conjunto de posturas esperadas daqueles que assumem o
desafio de educar na atualidade e no futuro. É comum que seja
estabelecido, como ponto de partida, a dimensão restrita,
tradicional e superficial que o conhecimento é tratado na prática
pedagógica docente. Com uma formação precária, com pouca
experiência teórico-prática e com dificuldades no estabelecimento
de relações entre o saber técnico e a realidade do mundo do
trabalho, o cenário é preocupante.
Nas inicitaivas de
formação continuada dentro das instituições de ensino, ainda são
raras as reflexões que aprofundem esses aspectos, no sentido de
qualificar a ação docente, especialmente na Educação Profissional
e Tecnológica, onde são raros os debates contínuos de natureza
pedagógica.
Neste universo,
abre-se espaço para contribuições teóricas que são acolhidas,
sem que seus limites sejam considerados.
Perrenoud* e
muitos outros téricos influenciaram, a partir dos anos 90,
movimentos no sentido de trazer novas referências educacionais, mais
adequadas ao momento atual em que vivemos. De grande relevência, a
chamada Pedagogia das Competências, propõe novos paradigmas e
torna-se presente (pelo menos) nos discursos dos educadores da
modernidade.
Newton Duarte
afirma que as "pedagogias
do aprender a aprender" estão ligadas a um modismo pedagógico
e estão relacionados aos discursos pedagógicos da Escola Nova e do
Construtivismo. Assim, ele adverte que elas estão fincadas numa
concepção de educação e a serviço de concepções ideológicas.
Alguns
posicionamentos valorativos, presentes nessa tendência pedagógica
são destacados por ele:
São
mais desejáveis as aprendizagens que o indivíduo realiza por si
mesmo.
É
mais importante o aluno desenvolver um método de aquisição,
elaboração, descoberta, construção de conhecimentos, do que esse
aluno aprender os conhecimentos que foram descobertos e elaborados
por outras pessoas.
Para
que a atividade seja verdadeiramene educativa, ela deve ser
impulsionada e dirigida pelo aluno.
A
educação deve preparar os indivíduos para acompanharem a
sociedade em acelerado processo de mudança.
A princípio,
todas as considerações são consideradas importantes para
transformar os paradigmas e produzir um novo fazer pedagógico. O que
precisa ser discutido, entretanto, é que é possível romper
limites que são postos (implícitos) em cada um dos posicionamentos.
A aprendizagem é
uma experiência de profunda natureza social. Assim, a interação
entre os estudantes e com o professor é fundamental e não pode ser
deixada em segundo plano. Também, as experências que o indivíduo
realiza sozinho (como uma síntese) tem uma parte igulamente
fundamental em todo o processo. Nesse sentido, as descobertas de
outros, os processos historicamente percorridos precisam ser trazidos
como parte integrante dos desafios de novas descobertas. Um não
exclui o outro.
Além disso, as
atividades educativas precisam ser extremamente significativas para o
aluno, o que não quer dizer que cabe apenas a ele a direção de
todas elas. Corre-se o risco de desconsiderar a importância do
professor e da própria relação que se estabelece coletivamente em
sala de aula.
Ainda, Newton
Duarte, aponta ilusões da chamada "Sociedade
do Conhecimento". Vamos procurar analisar a presença desses
pensamentos no pensamento e na prática docente:
Primeira
ilusão – O conhecimento nunca foi tão acessível como hoje
Segunda
ilusão – A capacidade de lidar de forma criativa com situações
singulares no cotidiano é muito mais importante para a aquisição
de conhecimentos teóricos.
Terceira
ilusão – O que confere validade ao conhecimento são os contratos
culturais.
Quarta
ilusão – Os conhecimentos tem todos os mesmo valor, não havendo
entre eles hierarquia quanto a sua qualidade.
Quinta
ilusão – O apelo a consciência dos indivíduos constitui o
caminho da superação dos grandes problemas da humanidade.
De modo geral,
essas ilusões parecem distorcer ou até mesmo comprometer a
centralidade do papel do conhecimento na ação pedagógica. Se o
conhecimento não for o primordial na escola, como sendo a
matéria-prima do professor, o que restará da principal função
social da educação escolar?
Cabe questionar
ainda se, de fato, o conhecimento é assim tão acessível... Os
conhecimentos teóricos perderam seu valor? A cultura tem um papel
preponderante legitimidade do conhecimento? Todos os conhecimentos
têm o mesmo valor, para todos? A consciência ou o saber (ou ambos)
pode transformar a sociedade? É possível dizer que a Sociedade do
Conhecimento pode estar estabelecendo princípios educacionais não
desejáveis.
Ao reportar-se à
Sociedade do Conhecimento, Lizia Helena Nagel afirma que trata-se de
uma expressão empresarial dos investimentos racionalmente
programados para o mundo globalizado.
Nesse sentido, faz
toda uma argumentação explicitando que o processo de
desenvolvimento da sociedade da informação se deve aos oligopólios
que comandam a infraestrutura da informação e, consequentemente,
tem poderes ilimitados para determinar a informação que podem ser
(re) passada a sociedade. Fica evidenciado nas suas colocações que
há aspectos políticos e ideológicos que definem e orientam a
seleção das informações.
Na educação, o
discurso é em torno da "democratização"
da informação. Entretanto, ela depende dos interesses privados dos
organismos que sustentam essa mesma infraestrutura.
Nesse sentido, a
educação está, de fato, a serviço dessa intencionalidade ,
reforçando as desigualdades sociais. Os discursos em torno da
democratização, da igualdade, tendem a ofuscar e esconder as
contradições sociais postas na chamada Sociedade do Conhecimento.
Cabe a Escola aprofundar e desmistificar esses processos, regatando o
conhecimento histórica e socialmente construído, como base do
conhecimento escolar, promovendo a seleção e a reflexão sobre toda
a informação imposta e comercializada. Em nome de deixar que o
aluno aprenda por si mesmo, o valor do conhecimento está sendo
perdido dentro das práticas docentes, que muitas vezes consideram-se
revolucionárias.
Uma nova forma de
exclusão é garantida, perversamente, ao se limitar o saber dos
cidadãos de países em desenvolvimento, estimulando o acesso à
informação sem valorizar o acesso ao conhecimento. Nosso
compromisso, enquanto educadores, é garantir o acesso, a apropriação
e a elaboração do conhecimento, em todas as suas dimensões.
Karina
Mello Bonilaure
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Perrenoud - Philippe Perrenoud é doutor em Sociologia e Antropologia
e leciona nas áreas de currículo, práticas pedagógicas e
instituições de formação nas faculdades de Psicologia e de
Ciências da Educação da Universidade de Genebra.
Referências
Bibliográficas
DUARTE,
Newton. As pedagogias do “aprender aprender” e as ilusões
da assim chamada sociedade do conhecimento. Revista
Brasileira de Educação, n. 18, set-dez, 2001. p. 35-40
NAGEL,
Lizia Helena. A Sociedade do Conhecimento no conhecimento dos
educadores. Revista Acadêmica Multidisciplinar Urutágua,
Maringá, ano I, n. 04, maio de 2002.